Chegamos em 2020 com os dois pés na porta: Lima Barreto é o motivo do nosso primeiro episódio do ano! No livro póstumo “Diário do Hospício & O Cemitério dos Vivos”, lançado em 1953 graças aos esforços do grande Francisco de Assis Barbosa, primeiro biógrafo de Lima, temos o testemunho e um romance inacabado de Lima Barreto quando da sua segunda internação no manicômio. Bêbado pelas ruas do centro do Rio de Janeiro, Lima Barreto foi internado no dia de Natal e passou aproximadamente cinco semanas no chamado Palácio da Praia Vermelha.
As duas peças reunidas, de forma a criar um pacto entre testemunho e ficção, avançam em traumas e medos que assolavam a cabeça do escritor carioca: a loucura e o aprisionamento definitivo. Recluso, suas observações sobre a loucura se alternam entre tons de comprovada lucidez e um princípio de desperdício da consciência num ambiente em que internos nas mesmas condições jamais sairão.
O tom acusatório que deflagra processos eugenistas crescentes tutelados pelo Estado, tirando das ruas pessoas consideradas viciadas, depravadas e pervertidas para coloca-las numa verdadeira masmorra, estabelece também um olhar até então inédito em relação à justificação da “loucura”: Lima já clamava para que fosse dispensado aos internos um tratamento humanitário ao invés da indiferença e desprezo entregues pela grande maioria dos funcionários do manicômio. Pioneiro, Lima Barreto continua muitíssimo atual e “Diário do Hospício & O Cemitério dos Vivos” revela medos crescentes do autor e do nosso tempo.